Primeiro texto em Lisboa

Não sei nem como começar a escrever o que de fato estou vivenciando. Quase um mês e muita coisa já vivenciada, experimentada, vista, sentida, mas ainda não posso dizer qual minha real impressão da cidade, das pessoas, das instituições, dos trabalhos, na verdade impressões são tantas e mudam tantas vezes… Estar neste lugar, só, me fez voltar muito o olhar pra mim mesmo, e este é um sentimento que vem me acompanhando, a solidão. Lembrei-me agora que vi num seriado, nem sei qual mais, onde alguém diz que viajar é ir ao encontro consigo mesmo. Como estava já pensando nessa viagem, esta frase ficou gravada e de fato tenho tentado me encontrar. Não uma busca existencial, será?, Mas uma busca pelas razões que me levam a fazer o que faço, da forma que faço, uma busca pelo artista e de quanto pode este artista. Ouvi por duas semanas, num curso que fiz aqui, dançar é estar em desequilíbrio. E não é que é! Sair da zona de conforto tem mexido com meu corpo, com minhas questões, sentimentos, olhar, percepção tem me causado outras sensações. Fiquei pensando no fato de estar no país que deu origem a uma série de acontecimentos ao nosso, além de algumas heranças, não me atrevo e nem quero falar de descobrimento, até porque nada foi descoberto, mas encontrado, falo da língua, por exemplo, que é, a meu ver, uma das maiores definições do sujeito. Sua forma de expressão, suas palavras, sua maneira de se fazer entender… Forte isto pra mim, de repente só pra mim, mas forte. Como estas coisas estão me perpassando? Tudoaomesmotempoagora. Como se utilizar delas para uma possível composição artística? Aí sim está o cerne de tudo. Vou precisar de tempo, não sei quanto, mas sei que vou. Ideias tem me pipocado todo o tempo, penso em não livrar-me delas, mas também não deixar que me dominem, me escravizem ao mesmo tempo em que vou tentando não complica-las, analisá-las, teoriza-las. Estão aqui e fazem parte, já, deste meu corpo errante nesta grande cidade onde em cada esquina, bar, café é possível se deparar com tanta gente bonita e tantos lugares diferentes, parece que o mundo todo está aqui… E o mundo é tão grande, mas ao mesmo tempo pequeno e grande de novo… Assisti um trabalho sábado, Atlas, onde esta afirmação do sujeito era muito interessante. Um espetáculo com 100 (cem) pessoas no elenco e cada um a sua maneira se afirmando ali e provocando, incomodando me fez perguntar onde me encaixo neste quadro e o que estou fazendo para incomodar e principalmente para me incomodar? Outra frase do Peter, do curso de duas semanas, ‘sempre arrumamos desculpa para não fazer o que realmente temos que fazer’. Verdade. Falo de incomodar relacionado ao trabalho que assisti, pois todos os cem se apresentam dizendo que incomodam muita gente, aí incomodar virou tantas outras coisas que o fato de só incomodar, no sentido ao pé da letra, fica até meio que diluído… Incomodar… incomodado estou, fiquei.  Olhando pela janela do quarto em que estou vejo o vento balançando algumas flores que nasceram no telhado do prédio em frente. Resistentes elas vão se multiplicando, vários telhados tem seu próprio jardim que nasceu ali, aparentemente, por conta própria, mas que resiste e é forte e olhando mais amiúde, até ornamentam mesmo estes telhados. Porque fazemos o que fazemos? Frase que li no metro aqui. Porque insistimos em nascer e crescer em telhados que nos dão nenhuma condição para sobrevivência? Uma certeza, não é para ornar… aí agora me lembrei da minha amiga Líria que numa conversa estava se autocriticando do porque inventamos problemas pra nós mesmos, porque não dançamos outra coisa, outras danças e não essa que nos coloca em questões o tempo todo? Ai ai, e eu sei lá o porquê. Se soubesse venderia. Parece até que to numa situação crítica, existencial, não, nada disso… Acho que isso aqui, este texto, é um processo, acho que to me encontrando, de alguma forma, dentro de tanta dicotomia, de tantas coisas acontecendo. Um processo, isso sim, uma parte deste processo que está se desenhando e tentando criar forma, tomar vida. Que venha.