Terceiro texto Lisboa

Transcrever: Copiar, reproduzir por escrito.

Traduzir: Passar um texto de uma para outra língua. Exprimir, reproduzir, interpretar. Expressar-se, manifestar-se: sua dor traduzia-se por gritos.

Transcrição e tradução, mais duas palavras que, desde ontem à noite, vieram povoar meus pensamentos. Assisti a um concerto, ou como preferiram chamar de Matéria Bruta – nome dado aos processos artísticos ainda em processos – de cravo onde foi transcrito, para este instrumento, peças de Bach. Muito tocante o som deste instrumento barroco que nos transporta para outra atmosfera.  Na conversa, pós-apresentação, e no texto lido na apresentação esta relação, diferença entre transcrever e traduzir apareceu e me chamou atenção.  Como disseram, transcrevemos para aquilo que temos, no caso para o instrumento cravo, e ao traduzirmos tentamos nos aproximar ao máximo e expressar para o nosso entendimento, nossa compreensão. Outra metáfora usada foi a de que estamos sempre lidando com uma língua estrangeira e que é como ouvir alguém falando baixinho e aí temos que nos aproximar para ouvir e ainda mais termos a coragem de chegar, ouvir e de fato ter a certeza de que se está falando conosco. E não é assim em nossos processos artísticos? Nosso corpo vai vivenciando situações, processos e tentamos trazê-los para um entendimento mais claro a nós mesmos, tentando entende-los, fisicalizá-los e nisto vamos interpretando, lhes dando significados numa busca de aproximação, primeiro conosco para que possamos mesmo chegar a outros. Não é assim tão simples este processo, ainda mais quando não falamos ou entendemos a língua dos processos que estamos vivendo. É preciso parar, paciência… Cada um tem sua forma própria de interpretação, de apertar as teclas do seu instrumento e fazer sair uma cadência, seja ela rítmica ou não. Às vezes não sabemos ler, outra coisa dita ontem, saber ler e não saber ler. Não saber ler é melhor, penso. Não ter certeza, não se deixar conformar com o pouco que sabemos, não se deixar anestesiar. Não saber faz o corpo ficar inquieto, incomodado e querer mesmo respostas, mesmo que sejam simples respostas, mas o mais interessante, neste momento, é a busca por elas. E esta busca nos faz compor com o que temos, com o que está ao nosso redor, ao nosso alcance ouvindo sim a angústia que temos pelo ‘novo’ que tanto nos afeta e perturba por, muitas vezes, não se ter a consciência que fazer outra vez já é fazer ‘novo’, repetir é fazer ‘novo’. Estas palavras foram ouvidas por mim ontem nesta Matéria Bruta e ainda estão reverberando… Acho que meu processo aqui tem passado por muitos lugares e percepções. Tem sido muito rico o contato com outras culturas e formas de tradução, transcrição, percepção. Meu corpo vivencia processos que meu consciente ainda não processa intelectualmente, mas o registro vai sendo processado na memória física, corpórea e creio que para quando pronto, quando possível de ser ‘entendido’.