Texto Carlos Passos sobre Solos Hibridus

 

Exercitando as percepções de uma obra através da escrita… Solos Hibridus

Do primeiro, a fotografia que se tem é de um ambiente mórbido, remete como se fosse uma sala escura de um interrogatório (cadeira e luminária) – um ambiente com o mínimo de informação possível que pode levar a distração e redirecionar para uma concentração e a pressão na busca de respostas para questionamentos.
Os passos pesados de uma corrida, uma busca difícil pela verticalidade – uma procura pelo alinhamento de um corpo – ao contrario da arquitetura do objeto que o trabalho leva o nome – (prumo: um corpo alinhado, preciso e rígido) – esse corpo em cena não é o que leva o nome e sim o resultado que o nome/objeto pretende alcançar – elevação de um corpo em sua verticalidade, essa “elevação” pode ser uma tradução que cabe ao público assemelhar ao seu cotidiano.

No segundo, é um trabalho imagético, no princípio a estética e objetos que compõem a cena definem um corpo rural, devido alguns elementos estarem mais presentes somente nesse território – serrote, gaiola, sanfona, bule, etc.
A inundação não é trazida somente pela chuva, mas também pelos signos que os objetos e a artista representam. Interessante para quem conhece a artista sabe da propriedade que a mesma tem com esses acontecimentos, mas para os desconhecidos (público comum) podemos refletir que cada andar da prateleira é como se fosse uma fase da vida, que não acontece de forma linear, mas somente alguns momentos marcantes, podendo ser da artista ou da vivência de outro alguém.

No terceiro, primeiro ver-se a questão de um corpo aprisionado por tela e um espaço restrito e marcado, existe uma analogia antropológica: galinha x negro, uma analogia histórica que tanto as galinhas como os negros são seres que cruzaram o oceano para chegar a terras brasileiras de forma aprisionada, as galinhas trazidas por canoas polinésias e mais de cem anos depois, os negros pelos europeus.
A questão da liberdade é forte, uma felicidade e um mapeamento pelo espaço como se fosse à conquista de um território, mas ao mesmo tempo esse corpo ainda aprisionado, quando é retirada dessa prisão/tela é como se retornasse a sua origem tão distante da descendência africana.

O quarto é um solo ou um duo??? Existe a presença de um manequim, ele não é somente algo sem vida para compor uma cena, tanto que o artista utiliza de mecanismos para que ele também se movimente ou que suas partes sejam utilizadas como complemento de seu corpo para movimentação – uma anomalia anatômica, siameses – por isso a impressão de ser um duo, dois corpos em dependência do outro se movimentando pelo espaço, quando abandona as partes a perceptiva muda, o que interessa não é as partes do manequim façam parte de seu corpo, mas como o seu corpo deveria ser – um corpo perfeito cultuado pela mídia – e nessas alterações o corpo vai ser amarrando e mostrando partes flageladas e distorcidas, tem algo que não pertence à naturalidade do corpo.

Os quatros trabalhos sempre remetem-me ao questionamento: De onde vêm? Sempre me vêm esse questionamento para trabalhos que já estão iniciados antes da entrada do público. E de alguma forma os quatro solos apresentam essa característica, o irônico é também sair dos quatros solos com outro questionamento: Para onde vai?. De fato, são “percursos” e deixam como incógnita qual é o ponto inicial de saída e de chegada dessa trajetória individual dos corpos – para o público: somente o percurso. —