O Núcleo de Dança-Dor, sob a direção de Gessé Rosa, apresentou, no último fim de semana, “CUIDADO FRÁGIL” na Academia Alta Performance em Coronel Fabriciano, marcando sua estreia no Vale do Aço. O espetáculo faz parte de um projeto de circulação que começou em Caratinga e segue para o Espaço Hibridus Ponto de Cultura em 2025. A obra evidencia um compromisso que ressoa com os princípios da dança como espaço de investigação e reflexão sobre o corpo, sua história e seu lugar no mundo. Gessé Rosa, ao criar dramaturgias baseadas na improvisação e na construção de imagens corporais, afirma que a dança-teatro não é apenas a prática do movimento, mas a construção de um discurso corporal. Este discurso se desenha, aqui, como uma poética da vulnerabilidade.
Gessé Rosa, um criador que se desloca de Recife/PE para Ipatinga/MG, carrega consigo um “sotaque corporal” que atravessa geografias. É como se a densidade da dramaturgia nordestina se entrelaçasse com a suavidade e o afeto mineiro, resultando em um híbrido que expande os horizontes da criação local. A escolha de Gessé em cruzar a mineiridade e sua bagagem corporal nordestina oferece uma perspectiva sobre o conceito de “sotaque corporal”, um tema que, de forma indireta, conecta-se à ideia de que o corpo é um território poroso, constantemente atravessado por histórias, memórias e geografias. A dramaturgia desenvolvida por Gessé utiliza o fragmento, a repetição e a não-linearidade para construir uma narrativa que se revela não apenas na cena, mas também no espaço que ela cria entre a obra e o espectador. Essa ideia de “sotaque” encontra ressonância na dramaturgia da dança-teatro, que Gessé vem desenvolvendo. É importante destacar que, talvez, ele seja o único criador da região a se debruçar sobre a dramaturgia de um corpo que dança como ponto central em suas obras. Esse aprofundamento no conceito de dança-teatro, com referências explícitas a Pina Bausch, emerge em cena por meio de elementos como a repetição, o fragmento e a criação de partituras corporais. Esses recursos não apenas aproximam a obra de uma linguagem universal, mas também inscrevem o grupo em um lugar de experimentação em dança-teatro. Em CUIDADO FRÁGIL, o espectador não é um observador passivo, mas alguém chamado a decifrar os sentidos fragmentados que emergem da cena – um convite que está em perfeita sintonia com o pensamento sobre a dança-teatro como arte do “inacabado” e da “invenção contínua”. As cenas não seguem uma linearidade, mas dialogam entre si de forma que o espectador é convidado a montar seu próprio quebra-cabeça.
A cenografia, composta por uma estrutura metálica coberta com tule, não apenas delimita o espaço físico, mas também cria camadas de significado, cria uma ambiência que remete à dualidade da proteção e da exposição. Há algo de cinematográfico nesse jogo cênico, reforçado por uma trilha sonora que pontua cada movimento com precisão. Esses detalhes, longe de serem meramente estéticos, reforçam a ideia de fragilidade e de camadas que se revelam e se escondem, tal como a própria dramaturgia do corpo exige. O uso predominante das cores verde e vermelho nos figurinos sugere uma tensão entre vitalidade e alerta, que dialoga diretamente com o conceito de que a dança-teatro não busca apenas o movimento belo e harmonioso, mas uma linguagem que dê corpo às contradições e aos conflitos humanos.
O trabalho de iluminação, sempre uma questão central nas obras de Gessé, também aponta como a capacidade da dança-teatro de criar espaços e temporalidades próprias. Aqui, a luz se torna mais do que um recurso técnico: ela é dramaturgia, criando atmosferas que revelam e ocultam os corpos, ampliando as potências poéticas da cena. Finalmente, a juventude do elenco, embora traga frescor, desafia a complexidade da proposta. A maturação cênica, fundamental para aprofundar a entrega emocional e a precisão da dramaturgia do corpo, é um aspecto que ainda pode evoluir. Mesmo assim, o vigor do grupo demonstra um comprometimento que sustenta a força da obra.
Em CUIDADO FRÁGIL, Gessé Rosa afirma seu lugar como um dos poucos criadores na região a pensar a dança e a dramaturgia como um campo de investigação contínua. Este espetáculo, com sua fragmentação, suas camadas de significação e seu discurso corporal, é mais do que uma obra de dança-teatro: é uma poética do corpo que encontra no Vale do Aço um terreno para suas raízes.
Wenderson Godoi
Artista da Dança
Fotografia: @lucas_fesousa