No último domingo, 10 de novembro, Ipatinga testemunhou a realização da 15ª Parada do Orgulho LGBTQIA+, promovida pelo Movimento Gay e Simpatizantes do Vale do Aço (MGS), agora re-nomeado como Movimento da Diversidade do Vale do Aço (MDVA). Antes de mais nada, é essencial reconhecer a importância histórica do MGS enquanto o movimento LGBT+ mais antigo e consolidado da região, com uma trajetória marcada pela defesa dos direitos e da dignidade da população LGBT+. Ao longo dos anos, o MGS desenvolveu um trabalho pioneiro e contínuo em iniciativas de conscientização e de apoio, especialmente ao promover a dignidade de pessoas LGBT+ no sistema prisional, um ambiente de extrema vulnerabilidade. Com seu trabalho junto a cela LGBT+ e seu apoio dedicado àqueles que vivem em privação de liberdade, além das campanhas consistentes de conscientização sobre sexo seguro e de prevenção à AIDS, o MGS reafirmou seu compromisso com a inclusão e com a saúde pública, fazendo a diferença na vida de inúmeras pessoas. Este legado de atuação social e de luta pela dignidade é um marco que merece respeito e reconhecimento.
O tema deste ano, “Todes nas lutas por políticas públicas: por quem se foi, por quem está e por quem virá,” é um chamado que deveria ecoar as demandas mais amplas da comunidade LGBT+. Ele almeja unir vozes na reivindicação de direitos, mas, na prática, essa proposta não se traduziu em ações concretas ou em um evento que refletisse essas urgências. A sensação foi de uma parada esvaziada de significado, com pouca conexão com as necessidades reais da comunidade. A ausência de figuras, artistas e organizações LGBT+ locais, que atuam como representantes e emblemas da cultura e das reivindicações do movimento, deixou um vazio notável.
O evento, como um todo, não reverberou o pulsar da diversidade cultural que define o movimento LGBT+, optando, em grande parte, por uma playlist composta de músicas eletrônicas antigas. O DJ Neres, na abertura, apresentou um set atual e conectado, trazendo uma energia que ressoava com a comunidade. No entanto, ao longo do evento, faltaram nas escolhas musicais as vozes e sons de artistas da cena nacional que representam e inspiram a comunidade, como Jup do Bairro, Liniker, Linn da Quebrada, Ellen Oléria, Rico Dalasam, Gabz, Gabeu, Ludmilla — e nem menciono Gloria Groove e Pabllo Vittar, cujas músicas também não foram tocadas. A ausência dessas vozes na trilha sonora refletiu um distanciamento daquilo que realmente mobiliza e fortalece a identidade coletiva LGBT+, deixando o evento sem um elemento essencial de conexão cultural e afetiva com o público que ele busca representar.
A mudança de nome do MGS para MDVA é, em tese, um avanço, mas sem uma programação e práticas que reflitam essa atualização, a transição corre o risco de ser apenas simbólica. Ao longo dos anos, a Parada perdeu uma de suas principais estratégias de engajamento, que era a Semana da Diversidade, com atividades como palestras, rodas de conversa e a Solenidade de Entrega do Troféu Arco-Íris, honrando os apoiadores locais. Esses momentos formativos e de reconhecimento público ajudavam a construir a unidade e a força política do movimento, elementos ausentes nesta edição.
Outro ponto relevante é sobre a escolha do local e a organização do percurso. Historicamente, a Parada sempre se concentrava na rotatória do Jardim Panorama e seguia em marcha até o Parque Ipanema, onde aconteciam as atividades culturais de encerramento. Essa caminhada, politicamente significativa, trazia a diversidade de corpos LGBT+ para as ruas, afirmando presença e ocupação pública. Nos últimos anos, apesar de não ter havido a marcha, o evento se concentrava no Parque Ipanema, um espaço onde, aos domingos, o público é naturalmente numeroso, composto por famílias e frequentadores do parque, o que ampliava o alcance e a visibilidade da Parada.
Este ano, no entanto, concentrar todas as atividades na rotatória, com uma caminhada curta em direção ao parque sem efetivamente adentrar no espaço onde estava o público, pareceu uma escolha pouco estratégica. Caminhar “para lugar algum” diminuiu o impacto político e social do evento, que perdeu a oportunidade de dialogar com a comunidade mais ampla presente no parque. Somado a isso, a marcação da Parada no mesmo dia das provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), uma data conhecida desde maio, afastou muitos jovens que estavam fazendo as provas, reduzindo ainda mais a adesão.
A ausência de uma marcha completa até o parque e a escolha de um dia de baixa acessibilidade comprometeram a conexão do evento com o público e com os movimentos locais. A infraestrutura profissional, com palco, som e painel de LED, por si só não garantiu a integração com a comunidade, e a falta de participação significativa e de artistas da cena LGBT+ local apontam para um distanciamento do evento em relação ao seu propósito de visibilidade e resistência.
A apresentação foi conduzida com maestria pelo ator Thiago Vaz, um homem branco, gay, cis, que trouxe presença e energia à cena, valendo-se de sua experiência como ator e de sua história como ex-miss gay do Vale do Aço. No entanto, o evento careceu de uma representatividade mais ampla, especialmente de corpos trans, que são uma parte fundamental e muitas vezes invisibilizada do movimento. A ausência desses corpos no palco limita a diversidade da expressão e reduz o impacto da Parada como um espaço de visibilidade inclusiva. Como escreve Judith Butler, “os corpos não apenas habitam o espaço público; eles reivindicam e transformam esse espaço,” e essa reivindicação é essencial para que a pluralidade da comunidade LGBTQIA+ seja verdadeiramente representada e fortalecida. A marcha que encerrou o evento, com poucos participantes, reforça a percepção de que ainda há uma distância entre a Parada de Ipatinga e o envolvimento mais amplo da comunidade LGBT+ do território.
Após quinze edições, há uma questão que se impõe: estamos realmente abraçando o papel político deste evento? A Parada do Orgulho LGBT+ de Ipatinga deveria ser mais do que uma celebração; deveria ser um momento em que nossos corpos ocupam o espaço público para afirmar nossa existência e reivindicar nossos direitos. Cada edição é uma oportunidade de tornar visível a diversidade e de confrontar diretamente as questões que ainda limitam a liberdade e a igualdade da comunidade LGBT+. No entanto, a dúvida que fica é se ainda permanecemos dentro de um “armário” simbólico, seja por falta de articulação, pela ausência de alianças estratégicas ou por receio de expandir as conexões com a comunidade e com parceiros que podem fortalecer essa luta.
Em um evento que promete lutar “por quem se foi, por quem está e por quem virá”, essa luta precisa ecoar não só no tema, mas em ações que mobilizem, inspirem e incluam toda a comunidade. Em vez de um momento de visibilidade, a Parada pode ser um espaço de resistência coletiva, uma plataforma para discutir políticas públicas que se traduzam em conquistas reais. “Os corpos não apenas habitam o espaço público; eles reivindicam e transformam esse espaço.” É essa reivindicação, feita em presença e diversidade, que efetivamente transforma.
O potencial de impacto social está claro, mas ele só será plenamente alcançado quando a Parada de Ipatinga se tornar um reflexo verdadeiro de toda a pluralidade e urgência da causa LGBT+. Para isso, é preciso que as práticas reverberem a promessa feita pelo tema, que se avancem parcerias, e que a diversidade seja mais do que uma palavra – que ela seja uma prática essencial e constante, no palco e nas ruas, nos discursos e na construção de políticas. Que a Parada seja, de fato, um espaço onde o futuro de cada letra dessa sigla seja continuamente fortalecido e protegido, fazendo jus ao que representa.
Wenderson Godoi
Artista da dança e produtor cultural