Um Encontro com a Memória e o Movimento

Na última noite de 19 de outubro, o Espaço Hibridus Ponto de Cultura se tornou um ponto de convergência entre corpo, memória e cidade com a apresentação gratuita do espetáculo Primeiro Tempo de Algo, do Coletivo nomeiodeparacom de Belo Horizonte. Viabilizada pelo edital da Lei Paulo Gustavo (LPG), através do Programa de Mobilidade de Artistas, Grupos e Técnicos, essa circulação reafirma um ponto central: o acesso democrático à arte, o direito de ver e ser visto, ouvir e ser ouvido.
No cerne do espetáculo, a juventude é retratada como um rito de passagem, em uma construção poética e crua. Sob a direção do mexicano Carlos Castellanos, o espetáculo explora um hibridismo de memórias pessoais e coletivas, que se entrelaçam em 21 partituras corporais, combinadas e recombinadas a cada apresentação. A fisicalidade precisa e emocional dos intérpretes Johnny Cezar, Violeta Penna e Joana Wanner cria uma experiência de fruição, renovando a narrativa e revivendo o que é lembrado a cada performance.
Um aspecto essencial da apresentação foi a inclusão de intérprete de Libras e audiodescrição, proporcionada pela equipe da Ser Libras, o que permitiu a participação de pessoas surdas e cegas. Durante a roda de conversa após o espetáculo, essas pessoas compartilharam como se sentem frequentemente excluídas de eventos culturais por falta de acessibilidade, ecoando uma reflexão sobre o direito de todos à voz e ao espaço social. Esse momento foi um chamado urgente para que a acessibilidade se torne um valor inegociável nas práticas artísticas.
O ano de 2024 foi intenso para o Espaço Hibridus Ponto de Cultura, que já acolheu outras produções de fora do município, como “Dispositivo Coreográfico”, de Uberlândia, também apoiado pela LPG, e “Mis Viajes: Memorias Coreográficas”, da argentina Marina Sarmiento, no Mercado Livre na Dança, realizado pelo nosso querido amigo e parceiro Carlos Passos da Filó Incubadora Cultural. Receber o Coletivo nomeiodeparacom foi, portanto, uma continuidade de um projeto maior de expandir horizontes e promover encontros para artistas e público em Ipatinga.
No mesmo dia, o coletivo realizou a oficina “Compartilhando Processos Criativos”, que ofereceu um vislumbre das engrenagens que movem o espetáculo, permitindo um intercâmbio de saberes e experiências. Esse ambiente generoso não só aprofundou o entendimento da obra, como também democratizou os processos de criação.
Além disso, a circulação também proporcionou momentos de intercâmbio afetivo entre o Coletivo nomeiodeparacom e os integrantes do Hibridus, que transcenderam a cena e aconteceram em trajetos pela cidade, desde os trajetos da estação ferroviária, passando pelo hotel e restaurantes. Esses encontros informais contribuíram para diálogos sobre os desafios da dança e práticas artísticas, fortalecendo laços entre os grupos.
Contudo, a baixa presença de artistas locais na plateia levanta um questionamento importante. A gratuidade e a acessibilidade ainda não parecem ser suficientes para mobilizar os fazedores de dança da região. Esse fenômeno evidencia a necessidade urgente de um engajamento mais ativo, não apenas como criadores, mas também como público e partícipes das trocas que fortalecem o ecossistema cultural. Como já mencionado em outro contexto, a ausência de artistas locais em eventos de dança revela uma fragilidade que precisa ser abordada coletivamente.
Primeiro Tempo de Algo que nessa circulação já esteve em Betim, Buritizeiro e Ipatinga, vai além de um espetáculo; é um gesto político de resistência e sensibilidade, um convite a revisitar nossas juventudes e questionar nossas fronteiras. Em tempos líquidos, o Coletivo nomeiodeparacom nos lembra que a arte, é um espaço que se molda à fluidez do tempo presente. Em tempos de exclusão, eles reafirmam a arte como um espaço de todos. Que possamos ouvir, lembrar e aprender.

Texto: Wenderson Godoi